 
  Contudo, antes mesmo de abrir o livro, já me intrigava com o seu título. E me perguntei: qual o rosto escondido por trás da máscara do protagonista? (ou seria melhor dizer antagonista?) Por que “ O PERFUME” como título de livro? Segundo os bastidores da música, até o Kurt Cobain era fã desse livro. Alguns críticos dizem que o falecido vocalista da banda de rock Nirvana usou trechos do livro de Süskind como inspiração, na época da composição do disco “In Utero” (1993), tanto que a música “Scentless Appretince” foi baseada nesse livro.
O romance escrito por Süskind conta a história de Jean-Baptiste , um homem que possui um olfato extraordinariamente apurado mas que não possui cheiro próprio, nem pudores, nem limites. O autor, por sua vez, fez um trabalho memorável ao descrever a Paris do século XVIII que é o cenário que nasce Jean-Baptiste – abandonado por sua própria mãe em meio às tripas de peixes, podridão e ratos. E quando acham seu corpo levam-no para um orfanato aonde, tempos depois, o menino cresce e todos que têm contato com ele acham-no repulsivo de uma forma estranha. O que ninguém percebe é que o corpo de Je
 an-Baptiste não tinha um aroma, e essa distinção é  tão sutil que ninguém percebe diretamente na obra. A falta de cheiro de  Jean-Baptiste pode ser vista mais tarde como um representante de sua  falta de moral em um mundo no qual o amoral e o ético lutam para achar  um denominador comum.
an-Baptiste não tinha um aroma, e essa distinção é  tão sutil que ninguém percebe diretamente na obra. A falta de cheiro de  Jean-Baptiste pode ser vista mais tarde como um representante de sua  falta de moral em um mundo no qual o amoral e o ético lutam para achar  um denominador comum. O ENREDO – Durante toda a sua  vida Jean-Baptiste teve vários acidentes, doenças e chagas. Trabalhou  como aprendiz de curtidor e depois como aprendiz de perfumista. Sua  obsessão com cheiros é tanta e tão absoluta que, então com 14 anos, ele  apresenta a si mesmo a um proeminente – porém falido – perfumista (  Baldini ) que o ensina a arte anciã de misturar óleos, dissecar e isolar  aromas, e reduzir flores e ervas a seus óleos essenciais.
Um dia Jean-Baptiste encontra uma linda jovem de 12 anos com um perfume  natural totalmente diferente de todos os outros que ele guardava na  memória, e acabará por matá-la por assidente, com as suas próprias mãos,  de tanto desejar apoderar-se do seu odor. Mas, esta jovem é apenas uma  das muitas jovens que o protagonista mata (acho que 26 no total), em  busca do perfume perfeito.
Jean-Baptiste é capaz de evocar as mais diferentes emoções no leitor,  desde simpatia, curiosidade, repulsa e ódio, que mostra um profundo  autismo ao aprender cheiros diferentes à sua volta como a maioria das  crianças aprende o alfabeto, ou contam números no jardim de infância.  Dessa forma, ele passa seus dias identificando e organizando os cheiros  em seu mundo particular – parece um autista.
MUNDO DOS PERFUMES – A ação  divide-se entre o mundo dos perfumes  que serve para encobrir o mundo dos fedores, dos  crimes, das mentiras e da hipocrisia que caracterizam a cidade de Paris  no século XVIII – muito parecida com o que atualmente vivemos no Brasil  com as suas CPIs. O livro, até pouco tempo considerado inadaptável para a  linguagem cinematográfica, foi transformado em filme pelo também alemão  Tom Tykwer (de “ Corra, Lola, Corra” ) e, segundo vários sites de  cinema, o próprio Süskind negociou os direitos de filmagem com o  produtor.
que serve para encobrir o mundo dos fedores, dos  crimes, das mentiras e da hipocrisia que caracterizam a cidade de Paris  no século XVIII – muito parecida com o que atualmente vivemos no Brasil  com as suas CPIs. O livro, até pouco tempo considerado inadaptável para a  linguagem cinematográfica, foi transformado em filme pelo também alemão  Tom Tykwer (de “ Corra, Lola, Corra” ) e, segundo vários sites de  cinema, o próprio Süskind negociou os direitos de filmagem com o  produtor.
O filme contou com um elenco de celebridades, tais como o maravilhoso  Dustin Hoffman , de belas mulheres, de uma bela fotografia e de um  roteiro muito interessante. Jean-Baptiste foi interpretado pelo até  então desconhecido ator Ben Whishaw . O orçamento da produção extrapolou  o valor de 50 milhões de euros, segundo informações contidas no site da  Deustche Welle , mas valeu a pena: o filme ficou muito bom.
SUI GENERIS – Quando os  críticos e leitores sentiram pela primeira vez o aroma de “ O PERFUME”  em 1985, ele prontamente tornou-se um best-seller internacional sendo  traduzido para 37 línguas diferentes. O livro de Süskind é sui generis :  meio horror, meio suspense, meio ficção histórica, meio erótico, meio  repulsivo, meio romance, meio melancólico. Ao mesmo tempo que oferece  muitos insights na mente  do criminoso insano, também especula sobre o  papel que o senso comum tem em nossas vidas.
do criminoso insano, também especula sobre o  papel que o senso comum tem em nossas vidas.
Contudo, “ O PERFUME” é, sem  dúvida, um romance muito estranho. Mais inquietante ainda é o fato de  Jean-Baptiste ser desprovido de odor corporal, o que leva a sociedade a  encará-lo com um misto de indiferença e mistério. Curioso é a maneira  como o autor utilizou para descrever alguns personagens: o tosco Druot ,  que cheira a esperma e suor; as mulheres plácidas, feitas de mel  escuro; Madame Arnulfi , a viúva cheia de vitalidade; e as virgens  mortas de membros carnudos, lisos e firmes.
Todo este mundo irreal e de certa forma sobrenatural acaba por ser um  pretexto que o autor utiliza engenhosamente a fim de explorar as paixões  básicas que movem a humanidade: o erotismo, o poder, a necessidade de  afirmação e a procura de si próprio, retratada aqui na busca do perfume  ideal . E embora esta seja a história de um assassino, o próprio  subtítulo o indica, os crimes acabam por diluir-se, como que desculpados  pela pureza das intenções destituídas de qualquer tipo de moralidade. É  por este motivo que o fim deixa um travo amargo, já que não se retiram  conclusões e só a dúvida fica no ar.
MENTES ABERTAS – Apesar de  muita coisa do livro ter sido dispensada na versão cinematográfica, “ O  PERFUME” é um livro que deve ser degustado de mente aberta, deixando de  lado preconceitos e juízos de valor, porque só assim se poderá apreender  a beleza de caráter mórbido que se desprende das páginas e a crítica  subjacente: quantos são frágeis e dependentes do “eu animal”.
Aquela parte onde o autor explica que o senhor Richis desejava  ardentemente a sua própria filha, Laure , a ruiva, que ele desejava  “deitar-se junto a ela, sobre ela, dentro dela, com toda a sua  concupiscência e todo o seu desejo. E ele ficava a suar, e o os membros  tremiam, enquanto sufocava em si esse horrendo desejo e se curvava na  direção dela, para acordá-la em um casto beijo paternal” é de deixar os  puritanos de cabelos em pé.
No final da história, Jean-Baptiste volta a Paris e é partido aos bocados e comido por pessoas devido ao efeito do perfume que tinha derramado por todo o corpo: um final trágico para o protagonista. E qual o significado desta morte horrível? Pode-se ter a falsa impressão de que o autor queira afirmar que os idealistas são consumidos pelas massas ou pela podridão que o sistema produz. Mas as últimas linhas do texto fazem pensar em algo diferente: “ …seus corações estavam bem leves(…) . Pela primeira vez , haviam feito algo por amor ” (“O PERFUME – A História de um Assassino” de Patrick Süskind, traduzido por Flávio R. Kothe, 255 pp. 1985 – Editora Record).
 
 
 
 


 

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