quinta-feira, outubro 4

Arte para todos,

de todas as formas
por: Paulo de Camargo

Nascido em 1960, em Nova York, Jean-Michel Basquiat ascendeu meteoricamente no cenário artístico dos anos 1980. Com uma obra questionadora e com forte influência das artes de rua, conquistou um espaço importante como artista na mesma época em que Andy Warhol fazia sucesso. Na obra El Gran Espectaculo (representada acima), de 1983, Basquiat é influenciado pela arte rupestre africana ao buscar os ancestrais do homem negro contemporâneo e seu passado escravo.
Tinta acrílica, lápis de cera sobre tela, suporte em madeira.

O ensino de Artes vive um novo tempo no currículo das escolas brasileiras, revigorado por novas estratégias e materiais pedagógicos mais diversificados, estimulado por iniciativas de legislação e até mesmo impulsionado pelo avanço de estudos que dão evidências científicas ao que os educadores já sabiam na prática: as representações artísticas impactam todas as dimensões da vida dos seres humanos, inclusive sua capacidade de aprender.
Segundo a pesquisadora Rosa Iavelberg, uma das autoras dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) na área de Artes e professora da Faculdade de Educação da USP, a arte é uma produção social e histórica que merece ser conhecida assim como as demais produções humanas, os conhecimentos mate máticos, históricos, geográficos etc. “O homem sempre produziu arte e é dever da escola dar acesso a esse patrimônio, e aprender é um direito do aluno, pois expandirá suas possibilidades de participação social”, acredita Rosa.

Na obra Mona Lisa, de 1983, Basquiat mescla uma nota de dólar americano com a famosa Mona Lisa de Da Vinci. 
Com isso, o artista questiona a força do capitalismo e o valor da arte no mundo.
Tinta acrílica sobre tela.

Outro papel importante desempenhado pelo ensino de Artes é a educação do gosto, que possibilita que os alunos consigam discernir melhor entre o que tem ou não qualidade, quando entram em contato com meios de produção cultural, como a TV e a internet. “A educação permite que o aluno construa critérios de escolha e desenvolva conhecimentos para compreender o que se passa hoje e o que se passou na história, nos diversos tempos e lugares”, diz Rosa. Segundo ela, o aspecto histórico é particularmente importante para que o aluno, ao criar e produzir arte, também construa sua identidade e se reconheça como alguém que participa da história.
Para a arte-educadora Paula Ariane, a aproximação das crianças e jovens com a arte desenvolve potencialidades fundamentais em todos os campos do desenvolvimento humano. “A arte fornece ecanismos de compreensão do mundo”, diz.
Fazendo e conhecendo arte na escola, o aluno se reconhecerá como leitor competente das obras dos artistas e valorizará o papel da arte na sociedade e na vida dos indivíduos. Vale lembrar que essa perspectiva é uma evolução em relação às tradicionais formas de se ver o ensino de Artes, que já foi tanto a cópia de modelos de artistas consagrados, como o treino de habilidades.

Diversidade com qualidade
Outra marca das propostas mais modernas de ensino de Artes é sua diversidade. Falar de arte-educação hoje pode se referir ao desenho, pintura, mas também à dança, música, arquitetura e muitas outras manifestações. “A diversidade de linguagens
existe no mundo e hoje, especificamente, as fronteiras não são mais delimitadas como eram antigamente. Na contemporaneidade, é muito difícil separar as linguagens. Num espetáculo de dança, por exemplo, é como se todas participassem da construção do objeto artístico”, explica Rosa Iavelberg. Para ela, ontudo, a diversidade não pode ocorrer em prejuízo do aprendizado, ou seja, de forma precária e apressada.  Por isso, é necessário, a seu ver, expandir o tempo dedicado a cada linguagem, bem como investir na formação de professores.
SE PRETENDEMOS QUE A ARTE AUXILIE NA COMPREENSÃO DO MUNDO, PRECISAMOS CONSIDERAR A PRODUÇÃO ATUAL, DO MUNDO QUE AS CRIANÇAS ESTÃO VENDO E VIVENDO.
Essa perspectiva tem impacto sobre a forma de ensinar Artes, como a própria escolha dos repertórios que fujam dos esquemas tradicionais. “Afinal, se pretendemos que a arte auxilie na compreensão do mundo, precisamos considerar a produção atual, do mundo que as crianças estão vendo e vivendo”, diz Paula Ariane. No Colégio Objetivo, exemplifica, quando o trabalho enfoca a luz, o tema é tratado em representações medievais, renascentistas e chega até às bienais contemporâneas que utilizam projeções luminosas com alta tecnologia.  
Da mesma forma, no Colégio Bandeirantes, em São Paulo, onde a arte-educadora também atua, os alunos estudam fotografia e  cinema e podem também estabelecer relações com as diversas formas contemporâneas,  que acabam muitas vezes fundindo diversas mídias. 
Nesse sentido, ganham importância a valorização das produções artísticas regionais, ligadas às tradições locais, bem como as manifestações mais típicas do contexto das cidades. É o caso da difusão da street dance, no campo da dança, e de diferentes formas de intervenção urbana.

Detalhe da obra Pez Dispenser, de Jean-Michel Basquiat, 1984.

Em São Paulo, os bairros-escola Projeto Aprendiz se tornaram um case de relevância internacional nesse sentido. Partindo do objetivo de construir comunidades educativas inclusivas – derrubando os limites da escola –, os bairros-escola têm entre suas estratégias as ações que envolvem cultura e arte, com galerias a céu aberto e festivais de cinema e teatro promovidos pelos estudantes com a participação das comunidades.
A experiência transformou áreas degradadas da Vila Madalena em ambientes reconfigurados a partir da arte, onde os grafismos substituíram as pichações e as produções dos jovens ganharam o espaço da rua.

MÚSICA
Outra vertente do trabalho com Artes que vem ganhando nova vitalidade é a área de Música, cuja presença no currículo escolar voltou a ser obrigatória a partir de 2012. Se para muitas escolas esse trabalho começa do zero, em alguns colégios já existe uma forte tradição de ensino musical, como é o caso do bicultural Colégio Miguel de Cervantes, na cidade de São Paulo. No curso regular, os alunos têm aulas práticas desde a Educação Infantil, com instrumentos de percussão brasileiros e espanhóis, e passam ao longo da escolaridade por flauta, violão e até podem formar uma banda com guitarra, contrabaixo, bateria, entre outros instrumentos escolhidos pelos alunos.
Segundo Roseli Lepique, professora do Cervantes e formadora de docentes, a música tem um papel importante no potencial cognitivo, bem como em todas as áreas do desenvolvimento social, motor, sensorial, entre outros. “As mesmas técnicas básicas de atenção, concentração, imaginação, criação e controle nas respostas utilizadas nas aulas de Música estruturam qualquer tipo de aprendizagem”, diz.Além disso, é preciso não esquecer do papel social da música, que já estão presentes na vida dos alunos. As canções infantis, folclóricas, o pop, o rock fazem parte das experiências dos estudantes, e esse repertório é acolhido e ampliado pela escola. O objetivo do trabalho não é formar músicos, mas oferecer aos alunos condições de desenvolver a linguagem, ampliando suas possibilidades de expressão.

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