terça-feira, outubro 2

A Química na Educação da Princesa Isabel

Este é apenas um pequeno resumo de todo artigo que fiquei tão absorvida em ler, não apenas pela química, que fui adicionando trechos deixando a postagem longa, mas se desejar ler o artigo completo click aqui. O artigo traz um pouco da História do nosso país e das Estórias da Família Real no Império.

Carlos A. L. FilgueirasDepartamento de Química Inorgânica, Instituto de Química,
Universidade Federal do Rio de Janeiro,
Quim. Nova, Vol. 27, No. 2, 349-355, 2004

Em 15 de outubro de 1827 o Imperador D. Pedro I sancionou uma lei que mandava, em seu artigo primeiro, criar escolas de primeiras letras em todas as cidades, vilas e lugares mais populosos do Império. A mesma lei, no artigo 11, dizia que haverão escolas de meninas nas cidades e vilas mais populosas, em que os Presidentes em Conselho julgarem necessário este estabelecimento. O parágrafo seguinte delimitava cuidadosamente os limites da educação a ser dada às meninas que a ela tivessem acesso, com exclusão das noções de geometria e limitando a instrução de aritmética só às quatro operações; ensinarão também as prendas que servem à economia doméstica. A educação pública ministrada aos jovens brasileiros, apesar de exígua, ainda era mais limitada quando se tratava das poucas meninas a conseguir acesso aos bancos escolares. Ainda assim, frequentemente os pais tiravam as filhas da escola mal elas aprendiam a costurar, evitando que aprendessem a ler, escrever e contar.
O Ato Adicional à Constituição do Império, em 1834, viria a atribuir às províncias a responsabilidade da educação pública. Essa descentralização, naquele momento histórico, teve como consequência condenar as províncias mais afastadas da capital do Império a uma situação de abandono educacional, piorando uma situação que já era ruim.
A educação particular feminina pouco diferia do quadro da educação pública. Por isso o Colégio Augusto, fundado no Rio de Janeiro em 1838, por Nísia Floresta, dividiu opiniões e causou polêmicas, ao instituir uma educação feminina completamente inusitada para aquela sociedade.
[...]

Ao defender o livre acesso das mulheres ao mercado de trabalho diz: Se se instituísse uma classe pública de operárias em toda sorte de trabalhos, oferecer-se-ia a uma parte das famílias desvalidas do Brasil não somente um meio seguro de as livrar da miséria, mas ainda de habilitá-las para um futuro que não está longe.

O Colégio Augusto de Nísia Floresta funcionou no Rio de Janeiro durante 17 anos. Lá se ensinavam várias línguas, como o francês, o inglês e o italiano, além da geografia e a história, bem como a educação física. Ela também condenava o uso do espartilho e limitava o número de alunas a poucas por turma, como garantia da qualidade do ensino. A sociedade conservadora não poupava farpas a Nísia ao ver sua audácia de fazer meninas “invadir” o universo masculino. O jornal carioca O Mercantil escrevia ferinamente em 1847: trabalhos de língua não faltaram: os de agulha ficaram no escuro. Os maridos precisam de mulher que trabalhe mais e fale menos.
Opinião oposta foi a do Núncio Apostólico, Monsenhor Giacomo Bedini, ao assistir embevecido os exames anuais de línguas e literaturas estrangeiras, quando foi saudado em italiano e ouviu as alunas a declamar versos de autores italianos e latinos.
[...]

Apenas um colégio privado ensinava ciências a moças. Ele era dirigido por uma professora inglesa, Mrs. Hitchings, e lecionava Astronomia, Botânica, Física Elementar e uso dos globos. Curiosamente, quando se menciona o ensino de História nos colégios, é sempre a História Antiga e Moderna, nenhum deles tratando da História do Brasil.

O Brasil de meados do século 19 era, segundo já se disse, uma ilha de letrados num mar de analfabetos. Em 1872 apenas 18,56% da população era alfabetizada, dos quais 23,43% eram homens e 13,43% mulheres. Entre os escravos o analfabetismo era praticamente total, chegando a 99,9%. Até o fim do Império só havia sete escolas superiores no país: as Faculdades de Direito de São Paulo e Recife (1828), as de Medicina de Salvador e do Rio (1808), a Escola Politécnica do Rio de Janeiro (1874, embora remontando a 1792 com outros nomes), a Faculdade de Farmácia de Ouro Preto (1839) e a Escola de Minas nessa mesma cidade (1876).
[...]

Não havia no Império sequer a permissão legal para que mulheres frequentassem cursos superiores. Por isso, a primeira brasileira a se formar em Medicina, a carioca Maria Augusta Generoso Estrela, teve que realizar seu curso em Nova Iorque, diplomando-se pelo New York Medical College and Hospital for Women em 1881, com uma tese sobre Dermatologia, com a distinção de ter sido selecionada para oradora da turma. Durante seus estudos Maria Augusta perdera o pai, o que levou o Imperador, em janeiro de 1878, a conceder-lhe uma pensão anual de 1:500$000. Esta foi a primeira bolsa de estudos recebida por uma brasileira para a realização de estudos universitários. A partir de 19 de abril de 1879, com a Reforma Leôncio de Carvalho, conferiu-se a liberdade e o direito da mulher de frequentar cursos das Faculdades, de obter um título acadêmico. Em consequência da nova lei, matriculou-se em 1884 na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro a jovem estudante gaúcha Rita Lobato Velho Lopes, a primeira brasileira a colar grau num curso superior no Brasil, o que ocorreria em 10 de dezembro de 1887.


O Imperador D. Pedro II teve quatro filhos: D. Afonso (1845-1847), D. Isabel Cristina (1846-1921), D. Leopoldina Teresa (1847-1871) e D. Pedro Afonso (1848-1850). Com as mortes prematuras dos dois varões, Isabel tornou-se a herdeira oficial do trono ao completar 14 anos, fazendo o juramento solene à Constituição do Império perante o Senado Imperial. A partir daí passou a ter o título de Princesa Imperial.

Desde cedo o Imperador se preocupava com a educação das filhas. Em 1853 ele tentou, em vão, fazer com que sua madrasta, a Imperatriz viúva D. Amélia, voltasse de Portugal para assumir o encargo de preceptora das princesas. Com a recusa da ex-Imperatriz, D. Amélia é então encarregada pelo enteado de procurar na Europa alguém com as seguintes características: alemã, católica romana e religiosa, viúva e sem filhos, melhor maior de 40 anos, sem pretensões…, sem interesses na Europa, falando bem as línguas mais usadas, entendendo o português ou que venha depois de saber alguma coisa dele, para não estar sem ocupação quando aqui chegar, tendo gênio dócil e maneiras delicadas, e conhecendo perfeitamente os diversos misteres em que as senhoras passam as suas horas vagas. Quanto à instrução não exijo muito porque minhas filhas hão de ter mestres. O rígido figurino desenhado pelo Imperador para a preceptora desejada resultou em nada.
[...]

O regime de estudos das princesas era de uma severidade impressionante. Elas tinham aulas 6 dias por semana, das 7 h da manhã às 21h30m, com pouquíssimos intervalos para recreação. O próprio Imperador determinou: as visitas que procurarem as Princesas serão recebidas unicamente aos domingos, nas festas de guarda e nacionais, nos dias de seus anos, nos dos nossos, nos de seus nomes e nossos, e em qualquer outra ocasião que eu determinar — à exceção dos criados de honra e de serviço. Só haverá férias em Petrópolis, onde talvez seja alterada a distribuição do tempo. O currículo compreendia cerca de duas dezenas de matérias, entre as quais português e sua literatura, francês, inglês, italiano, alemão, latim (cujo professor era às vezes o próprio imperador), grego, álgebra, geometria, química, física, botânica, várias disciplinas de história, divididas por país e por época, cosmografia, desenho e b, piano, filosofia, geografia, economia política, retórica, zoologia, mineralogia, geologia, etc. Boa parte das aulas era dada em francês, assim como esta era a língua em que eram redigidos os horários das aulas e os boletins escolares.

A respeito do rigor da educação de suas filhas escreveu o Imperador: o caráter de qualquer das Princesas deve ser formado tal como convém a Senhoras que poderão ter que dirigir o governo constitucional de um Império como o Brasil. A instrução não deve diferir da que se dá aos homens, combinada com a do outro sexo: mas de modo que não sofra a primeira. Convirá conformar-se, quando for de proveito, aos regulamentos da instrução pública primária e secundária. Poderá impor castigos, e quando forem leves, sem meu conhecimento prévio, devendo minhas filhas não saber [ilegível] que o tenho, quando isto não for conveniente, sendo o maior deles a reclusão em um dos quartos dos respectivos aposentos, assim como representar-nos, mesmo perante nossas filhas, sobre a justiça da concessão de algum prêmio. A tudo isso deveria presidir, como supervisora, a preceptora contratada, a Condessa de Barral.

À insinuação preconceituosa de que estava proporcionando a suas filhas uma educação de homem, especialmente no caso de Isabel, apressou-se a escrever-lhe de Paris sua irmã D. Francisca, Princesa de Joinville: acho que fazes bem de dar uma educação de homem a sua filha mais velha, sobretudo que é provável que seja quem venha a governar o país, o que espero seja o mais tarde possível. Apesar disso, D. Francisca achava que o regime de estudos idealizado por seu irmão para as filhas era por demais draconiano e lhe escreveu em 1858: Toma bem sentido de não as cansar muito e que lhes não falte recreação no meio do trabalho. Quatro anos depois, insistia ainda D. Francisca: Temo bem não cansares demais a inteligência. Espero que [Isabel] tenha horas de passeio e alguns intervalos entre as lições para que possa se descansar. Isso é muito importante para a saúde, que sem ela nada é possível fazer-se de verdadeiro trabalho intelectual.
O Imperador, todavia, confidenciou a seu diário: o estudo, a leitura e a educação de minhas filhas, que amo extremadamente, [são] meus principais divertimentos.
[...]

Vários professores lecionaram para as princesas: entre estes, podem-se citar Cândido Batista de Oliveira, de Geometria, Francisco de Paula Cândido, de Física, Cândido José de Araújo Viana, Visconde (em 1854) e Marquês (a partir de 1872) de Sapucaí, de Literatura, que havia também ensinado ao imperador, Guilherme Schuch de Capanema, de Mineralogia e Geologia, Freire Alemão, de Retórica, e vários outros. Os fotógrafos Revert Henri Klumb e Marc Ferrez lecionaram Fotografia. Francisco Ferreira de Abreu, médico pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, doutor pela Universidade de Paris e futuro Barão de Teresópolis era médico da Imperial Câmara e lente de Medicina Legal na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Ferreira de Abreu foi professor de Física e Química das princesas. Poder-se-ia cogitar se aqui também entraria o nome de Alexandre Antônio Vandelli, filho do antigo introdutor da Química moderna na Universidade de Coimbra e genro de José Bonifácio de Andrada e Silva. Vandelli havia sido professor de ciências do próprio D. Pedro II. À época de que trata o presente relato, Vandelli já era homem idoso, vindo a falecer em 1859, quando Isabel só contava 13 anos. Portanto sua contribuição para a educação das princesas só pode ter ocorrido quando elas eram ainda muito jovens.
[...]

Freqüentemente, como se lê nos documentos, o próprio D. Pedro II se encarregava de tomar as lições às filhas. Numa folha solta com a data de 28 de novembro de 1862 Isabel, aos 16 anos, escrevia (ou copiava, não se pode precisar) um texto que mencionava uma nova ideologia nascida havia poucos anos na Europa:
Bom Uso das Riquezas

Ricos da terra que ela julga felizes e que talvez sois desgraçados, porque receais vós que o comunismo venha a estabelecer-se e a roubar-vos as vossas riquezas? Fazei delas o uso que deveis fazer, e não tereis nada a recear nem para este mundo das ilusões, nem para o outro das realidades.
Os textos tratando de Química encontrados no acervo do Arquivo tratam apenas de Química Inorgânica, não havendo nada de Química Orgânica, o ramo da Química que havia desabrochado com grande força e se encontrava em franco desenvolvimento na Europa. Nos assuntos tratados, os textos refletem fielmente a ciência da época, que era dominada pelo conceito de equivalente, na ausência de uma distinção clara entre átomo e molécula. Esta distinção só veio a se firmar após o Congresso de Karlsruhe, ocorrido em 1860 na Alemanha, quando o químico italiano Angelo Pavesi distribuiu entre os presentes um texto de Stanislao Cannizzaro, em que este mostrava como a esquecida hipótese de Avogadro poderia muito bem sanar a questão. O alemão Lothar Meyer ficou profundamente impressionado com a forma como os conceitos de Avogadro simplificavam a Química e, a partir de seu famoso livro Die modernen Theorien der Chemie, publicado em 1864 (ano em que terminou a educação formal das princesas brasileiras) e logo traduzido em várias línguas, teve um papel de grande importância na disseminação das novas idéias. A Química ensinada à
Isabel, naturalmente, era de um teor anterior a todas essas inovações.
[...]

Por isso se vê uma interessante Lista de Pesos Equivalentes, também reproduzida nas Notas, em que estão presentes implicitamente as dificuldades da época nas determinações quantitativas. Mais interessante ainda é um exercício em que Isabel se esforçava em aprender a balancear equações químicas segundo as convenções da época. Lembrando que até então a fórmula molecular aceita para a água era HO e os índices se escreviam acima, e não abaixo dos símbolos dos elementos, como hoje, aqui estão as equações, inicialmente na grafia original e, em seguida, em versão moderna.
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