Este é apenas um pequeno resumo de todo artigo que fiquei tão absorvida em ler, não apenas pela química, que fui adicionando trechos deixando a postagem longa, mas se desejar ler o artigo completo click aqui. O artigo traz um pouco da História do nosso país e das Estórias da Família Real no Império.
Carlos A. L. FilgueirasDepartamento de Química Inorgânica,
Instituto de Química,
Universidade Federal do Rio de Janeiro,
Quim. Nova, Vol. 27, No. 2, 349-355, 2004
Em 15 de outubro de 1827 o Imperador D.
Pedro I sancionou uma lei
que mandava, em seu artigo primeiro, criar escolas de primeiras letras em
todas as cidades, vilas e lugares mais populosos do Império. A mesma
lei, no artigo 11, dizia que haverão escolas de meninas nas cidades e
vilas mais populosas, em que os Presidentes em Conselho julgarem necessário
este estabelecimento. O parágrafo seguinte delimitava cuidadosamente os limites da educação a ser
dada às meninas que a ela
tivessem acesso, com exclusão
das noções de geometria e
limitando a instrução de
aritmética só às quatro operações; ensinarão também as prendas que servem à economia doméstica. A
educação pública ministrada aos jovens brasileiros, apesar de exígua, ainda era
mais limitada quando se tratava das poucas meninas a conseguir acesso aos
bancos escolares. Ainda assim, frequentemente os pais tiravam as filhas da
escola mal elas aprendiam a costurar, evitando que aprendessem a ler,
escrever e contar.
O Ato Adicional à Constituição do Império,
em 1834, viria a atribuir às províncias a responsabilidade da educação pública.
Essa descentralização, naquele momento histórico, teve como consequência
condenar as províncias mais afastadas da capital do Império a uma situação de
abandono educacional, piorando uma situação que já era ruim.
A educação particular feminina pouco
diferia do quadro da educação pública. Por isso o Colégio Augusto, fundado no Rio de
Janeiro em 1838, por Nísia Floresta, dividiu opiniões e
causou polêmicas, ao instituir uma educação feminina completamente inusitada
para aquela sociedade.
[...]
Ao defender o livre acesso das mulheres ao
mercado de trabalho diz: Se se instituísse uma classe pública de operárias
em toda sorte de trabalhos, oferecer-se-ia a uma parte das famílias desvalidas
do Brasil não somente um meio seguro de as livrar da miséria, mas ainda de habilitá-las
para um futuro que não está longe.
O Colégio Augusto de Nísia Floresta
funcionou no Rio de Janeiro durante 17 anos. Lá se ensinavam várias línguas, como o francês, o inglês
e o italiano, além da geografia e a história, bem como a educação física. Ela também condenava o uso do espartilho e limitava o número
de alunas a poucas por turma, como garantia da qualidade do ensino.
A sociedade conservadora não poupava farpas a Nísia ao ver sua audácia de fazer
meninas “invadir” o universo masculino. O jornal carioca O Mercantil escrevia
ferinamente em 1847: trabalhos de língua não faltaram: os de agulha ficaram
no escuro. Os maridos precisam de mulher que trabalhe mais e fale menos.
Opinião oposta foi a do Núncio
Apostólico, Monsenhor Giacomo Bedini, ao assistir embevecido os exames
anuais de línguas e literaturas estrangeiras, quando foi saudado em italiano e
ouviu as alunas a declamar versos de autores italianos e latinos.
[...]
Apenas um colégio privado ensinava
ciências a moças. Ele era
dirigido por uma professora inglesa, Mrs. Hitchings, e lecionava Astronomia,
Botânica, Física Elementar e uso dos globos. Curiosamente,
quando se menciona o ensino de História nos colégios, é sempre a História
Antiga e Moderna, nenhum deles tratando da História do Brasil.
O Brasil de meados do século 19 era, segundo já se disse, uma ilha de
letrados num mar de analfabetos. Em 1872 apenas 18,56% da população era
alfabetizada, dos quais 23,43% eram homens e 13,43% mulheres. Entre os escravos
o analfabetismo era praticamente total, chegando a 99,9%. Até o fim do
Império só havia sete escolas superiores no país: as Faculdades de
Direito de São Paulo e Recife (1828), as de Medicina de Salvador
e do Rio (1808), a Escola Politécnica do Rio de Janeiro (1874,
embora remontando a 1792 com outros nomes), a Faculdade de Farmácia
de Ouro Preto (1839) e a Escola de Minas nessa mesma
cidade (1876).
[...]
Não havia no Império sequer a permissão
legal para que mulheres frequentassem cursos superiores. Por isso, a
primeira brasileira a se formar em Medicina, a carioca Maria Augusta
Generoso Estrela, teve que realizar seu curso em Nova Iorque, diplomando-se
pelo New York Medical College and Hospital for Women em 1881, com
uma tese sobre Dermatologia, com a distinção de ter sido selecionada para
oradora da turma. Durante seus estudos Maria Augusta perdera o pai, o que levou
o Imperador, em janeiro de 1878, a conceder-lhe uma pensão anual de 1:500$000. Esta foi a primeira bolsa de estudos
recebida por uma brasileira para a realização de estudos universitários. A partir de 19 de abril de 1879, com a
Reforma Leôncio de Carvalho, conferiu-se a liberdade e o direito da mulher de frequentar
cursos das Faculdades, de obter um título acadêmico. Em consequência da nova
lei, matriculou-se em 1884 na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro a jovem
estudante gaúcha Rita Lobato Velho Lopes, a primeira brasileira a colar grau
num curso superior no Brasil, o que ocorreria em 10 de dezembro de 1887.
O Imperador D. Pedro II teve quatro
filhos: D. Afonso (1845-1847), D. Isabel Cristina (1846-1921), D. Leopoldina
Teresa (1847-1871) e D. Pedro Afonso (1848-1850). Com as mortes
prematuras dos dois varões, Isabel tornou-se a herdeira oficial do trono
ao completar 14 anos, fazendo o juramento solene à Constituição do Império
perante o Senado Imperial. A partir daí passou a ter o título de Princesa
Imperial.
Desde cedo o Imperador se preocupava com a
educação das filhas. Em 1853 ele tentou, em vão, fazer com que sua madrasta, a Imperatriz
viúva D. Amélia, voltasse de Portugal para assumir o encargo de preceptora das
princesas. Com a recusa da ex-Imperatriz, D. Amélia é então encarregada pelo
enteado de procurar na Europa alguém com as seguintes características: alemã,
católica romana e religiosa, viúva e sem filhos, melhor maior de 40 anos, sem
pretensões…, sem interesses na Europa, falando bem as línguas mais usadas,
entendendo o português ou que venha depois de saber alguma coisa dele, para não
estar sem ocupação quando aqui chegar, tendo gênio dócil e maneiras delicadas,
e conhecendo perfeitamente os diversos misteres em que as senhoras passam as
suas horas vagas. Quanto à instrução não exijo muito porque minhas filhas hão
de ter mestres. O rígido figurino desenhado pelo Imperador para a preceptora
desejada resultou em nada.
[...]
O regime de estudos das princesas era de
uma severidade impressionante. Elas tinham aulas 6 dias por semana, das 7 h da
manhã às 21h30m, com pouquíssimos intervalos para recreação. O próprio Imperador
determinou: as visitas que procurarem as Princesas serão recebidas
unicamente aos domingos, nas festas de guarda e nacionais, nos dias de seus
anos, nos dos nossos, nos de seus nomes e nossos, e em qualquer outra ocasião
que eu determinar — à exceção dos criados de honra e de serviço. Só haverá
férias em Petrópolis, onde talvez seja alterada a distribuição do tempo. O
currículo compreendia cerca de duas dezenas de matérias, entre as quais português
e sua literatura, francês, inglês, italiano, alemão, latim (cujo
professor era às vezes o próprio imperador), grego, álgebra, geometria,
química, física, botânica, várias disciplinas de história,
divididas por país e por época, cosmografia, desenho e b, piano,
filosofia, geografia, economia política, retórica, zoologia,
mineralogia, geologia, etc. Boa parte das aulas era dada em
francês, assim como esta era a língua em que eram redigidos os horários das
aulas e os boletins escolares.
A respeito do rigor da educação de suas
filhas escreveu o Imperador: o caráter de qualquer das Princesas deve ser
formado tal como convém a Senhoras que poderão ter que dirigir o governo constitucional
de um Império como o Brasil. A instrução não deve diferir da que se dá aos
homens, combinada com a do outro sexo: mas de modo que não sofra a primeira.
Convirá conformar-se, quando for de proveito, aos regulamentos da instrução
pública primária e secundária. Poderá impor castigos, e quando forem leves, sem
meu conhecimento prévio, devendo minhas filhas não saber [ilegível] que o
tenho, quando isto não for conveniente, sendo o maior deles a reclusão em um
dos quartos dos respectivos aposentos, assim como representar-nos, mesmo
perante nossas filhas, sobre a justiça da concessão de algum prêmio. A tudo
isso deveria presidir, como supervisora, a preceptora contratada, a
Condessa de Barral.
À insinuação preconceituosa de que estava
proporcionando a suas filhas uma educação de homem, especialmente no caso de Isabel,
apressou-se a escrever-lhe de Paris sua irmã D. Francisca, Princesa de
Joinville: acho que fazes bem de dar uma educação de homem a sua filha mais velha,
sobretudo que é provável que seja quem venha a governar o país, o que espero
seja o mais tarde possível. Apesar disso, D. Francisca achava que o regime
de estudos idealizado por seu irmão para as filhas era por demais draconiano e
lhe escreveu em 1858: Toma bem sentido de não as cansar muito e que lhes não
falte recreação no meio do trabalho. Quatro anos depois, insistia ainda D.
Francisca: Temo bem não cansares demais a inteligência. Espero que [Isabel]
tenha horas de passeio e alguns intervalos entre as lições para que possa se
descansar. Isso é muito importante para a saúde, que sem ela nada é possível fazer-se
de verdadeiro trabalho intelectual.
O Imperador, todavia, confidenciou a seu
diário: o estudo, a leitura e a educação de minhas filhas, que amo
extremadamente, [são] meus principais divertimentos.
[...]
Vários professores lecionaram para as
princesas: entre estes, podem-se citar Cândido Batista de Oliveira, de
Geometria, Francisco de Paula Cândido, de Física, Cândido José de
Araújo Viana, Visconde (em 1854) e Marquês (a partir de 1872) de Sapucaí,
de Literatura, que havia também ensinado ao imperador, Guilherme Schuch de Capanema,
de Mineralogia e Geologia, Freire Alemão, de Retórica, e vários outros.
Os fotógrafos Revert Henri Klumb e Marc Ferrez lecionaram
Fotografia. Francisco Ferreira de Abreu, médico pela Faculdade de
Medicina do Rio de Janeiro, doutor pela Universidade de Paris e futuro Barão de
Teresópolis era médico da Imperial Câmara e lente de Medicina Legal na
Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Ferreira de Abreu foi professor
de Física e Química das princesas. Poder-se-ia cogitar se aqui também entraria
o nome de Alexandre Antônio Vandelli, filho do antigo introdutor da Química
moderna na Universidade de Coimbra e genro de José Bonifácio de Andrada e
Silva. Vandelli havia sido professor de ciências do próprio D. Pedro II. À
época de que trata o presente relato, Vandelli já era homem idoso, vindo a
falecer em 1859, quando Isabel só contava 13 anos. Portanto sua contribuição
para a educação das princesas só pode ter ocorrido quando elas eram ainda muito
jovens.
[...]
Freqüentemente, como se lê nos documentos,
o próprio D. Pedro II se encarregava de tomar as lições às filhas. Numa folha
solta com a data de 28 de novembro de 1862 Isabel, aos 16 anos, escrevia (ou
copiava, não se pode precisar) um texto que mencionava uma nova ideologia
nascida havia poucos anos na Europa:
Bom Uso das Riquezas
Ricos da terra que ela julga felizes e que
talvez sois desgraçados, porque receais vós que o comunismo venha a
estabelecer-se e a roubar-vos as vossas riquezas? Fazei delas o uso que deveis
fazer, e não tereis nada a recear nem para este mundo das ilusões, nem para o
outro das realidades.
Os textos tratando de Química encontrados
no acervo do Arquivo tratam apenas de Química Inorgânica, não havendo nada de
Química Orgânica, o ramo da Química que havia desabrochado com
grande força e se encontrava em franco desenvolvimento na Europa. Nos
assuntos tratados, os textos refletem fielmente a ciência da época, que era
dominada pelo conceito de equivalente, na ausência de uma distinção clara entre
átomo e molécula. Esta distinção só veio a se firmar após o Congresso de
Karlsruhe, ocorrido em 1860 na Alemanha, quando o químico italiano Angelo
Pavesi distribuiu entre os presentes um texto de Stanislao Cannizzaro, em que
este mostrava como a esquecida hipótese de Avogadro poderia muito bem sanar a
questão. O alemão Lothar Meyer ficou profundamente impressionado com a forma como
os conceitos de Avogadro simplificavam a Química e, a partir de seu famoso
livro Die modernen Theorien der Chemie, publicado em 1864 (ano em que terminou
a educação formal das princesas brasileiras) e logo traduzido em várias
línguas, teve um papel de grande importância na disseminação das novas idéias.
A Química ensinada à
Isabel, naturalmente, era de um teor
anterior a todas essas inovações.
[...]
Por isso se vê uma interessante Lista de
Pesos Equivalentes, também reproduzida nas Notas, em que estão presentes
implicitamente as dificuldades da época nas determinações quantitativas. Mais interessante
ainda é um exercício em que Isabel se esforçava em aprender a balancear
equações químicas segundo as convenções da época. Lembrando que até então a
fórmula molecular aceita para a água era HO e os índices se escreviam acima, e
não abaixo dos símbolos dos elementos, como hoje, aqui estão as equações,
inicialmente na grafia original e, em seguida, em versão moderna.
[...]
Nenhum comentário:
Postar um comentário